Pouco mais de 40 dias passaram desde a tomada de posse de Donald Trump. Os factos são claros e desmentem todos aqueles que, do Chega ao PSD, defenderam que um segundo mandato de Trump não representaria uma profunda alteração na política norte-americana e na relação dos EUA com a União Europeia. O problema, contudo, não está só na narrativa do novo inquilino da Casa Branca, mas também em todos aqueles que, por cá, no País e na Europa, procuram branquear o que significa o regresso de Trump.
Regresso da doutrina Monroe
Não é propriamente uma novidade. Desde que o Partido Republicano foi primeiro tomado pelo Tea Party e, depois, pelo trumpismo, e com o desaparecimento do último reduto da ala mais moderada (com destaque para John McCain e Mitt Romney), acentuou-se o regresso da velha doutrina decretada pelo Presidente James Monroe que, grosso modo, estabeleceu o princípio da "América para os americanos". Se esse mantra, idealizado em 1823, pretendia afastar a influência dos europeus do continente norte-americano e isolar os EUA de conflitos em que estivessem envolvidas potências europeias, hoje o desígnio é mais abrangente.
Alinhamento com regimes autocráticos
O alinhamento do atual Presidente norte-americano com a agenda russa, a sua admiração por autocratas como Putin e Xi Jinpin, o enlevo com que fala de Kim Jong-Un com quem, aliás, se encontrou e se correspondeu no seu primeiro mandato, constituem uma viragem de 180 graus face ao posicionamento de sempre dos EUA. Tudo o que Donald Trump tem dito e feito não é minimamente compatível com a autoproclamação dos EUA como "líderes do mundo livre". E, se é certo, que tudo em Trump tem uma clara natureza transacional, reduzir a sua atuação meramente a este domínio - como tem feito boa parte da direita conservadora portuguesa que, com isso, procura "desculpar" e "enquadrar" o Presidente dos EUA como um homem de negócios - é outra forma de mitigar e minimizar os riscos e o perigo que Trump e o "neo-republicanismo" representam atualmente.
UE - Adversária, em vez de aliada
A profunda alteração da relação transatlântica que resulta da eleição de Trump assenta, também, no desprezo com que o movimento MAGA (Make America Great Again) vê a Europa. Nada disto é novo. Já em 2018, Steve Bannon dizia literalmente que "o coração do projeto globalista está em Bruxelas. Se enfiarmos a estaca no vampiro, tudo começará a dissipar-se".
Regresso ao passado
A mundividência de Trump não resulta dos equilíbrios de poder assentes na geopolítica do século XXI. Como bem assinalou o editorial do Wall Street Journal do passado dia 2 de março, a visão de Trump, representa um "retorno monumental à era da competição entre grandes potências e do equilíbrio de poder que prevalecia antes da 2ª Guerra Mundial. Não se trata de um "admirável mundo novo", mas sim de um perigoso retorno ao passado" e, quem sabe, com consequências possíveis também nos Açores, onde os rumores do encerramento do mais velho Consulado americano em funcionamento permanente também já chegaram.